Repercussão geral: suspensão processual e prescrição - 2
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento de questão de ordem em recurso extraordinário no qual se discutiam o alcance da suspensão processual preconizada no art. 1.035, § 5º (1), do Código de Processo Civil (CPC) e os seus efeitos sobre os processos penais cuja matéria tenha sido objeto de repercussão geral reconhecida pela Corte. Questionava-se a possibilidade de suspensão – enquanto não julgado o recurso extraordinário paradigma – do prazo prescricional da pretensão punitiva de crimes ou contravenções penais objeto das ações penais sobrestadas.
A questão foi suscitada em recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (Tema 924), que no qual se impugna acórdão que considerou atípica a conduta contravencional do jogo de azar, prevista no art. 50 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941) (vide Informativo 867).
A Corte, por maioria, acompanhou o voto, ora reajustado, do ministro Luiz Fux (relator).
A questão de ordem foi resolvida da seguinte forma:
a) a suspensão de processamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no “caput” do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la;
b) a possibilidade de sobrestamento se aplica aos processos de natureza penal;
c) neste contexto, em sendo determinado o sobrestamento de processos de natureza penal, opera-se, automaticamente, a suspensão da prescrição da pretensão punitiva relativa aos crimes que forem objeto das ações penais sobrestadas, a partir de interpretação conforme a Constituição do art. 116, I (2), do Código Penal (CP);
d) em nenhuma hipótese, o sobrestamento de processos penais determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público;
e) em nenhuma hipótese, o sobrestamento de processos penais determinado coLm fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC abrangerá ações penais em que haja réu preso provisoriamente;
f) em qualquer caso de sobrestamento de ação penal determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC, poderá o juízo de piso, no curso da suspensão, proceder, conforme a necessidade, à produção de provas de natureza urgente.
Asseverou que a suspensão do prazo prescricional para a resolução de questão externa prejudicial ao reconhecimento do crime abrange a hipótese de suspensão do prazo prescricional nos processos criminais com repercussão geral reconhecida, porquanto a resolução da questão concernente à repercussão.
Entendeu que a interpretação conforme a Constituição Federal do art. 116, I, do CP se funda nos postulados da unidade e da concordância prática das normas constitucionais. O legislador, ao impor a suspensão dos processos sem instituir, simultaneamente, a suspensão dos prazos prescricionais, cria o risco de erigir sistema processual que vulnera a eficácia normativa e a aplicabilidade imediata de princípios constitucionais.
Além disso, o sobrestamento de processo criminal, sem previsão legal de suspensão do prazo prescricional, impede o exercício da pretensão punitiva pelo Ministério Público e gera desequilíbrio entre as partes. Desse modo, fere a prerrogativa institucional do “Parquet” e o postulado da paridade de armas, violando os princípios do contraditório e do devido processo legal.
Afirmou, ainda, que o princípio da proporcionalidade opera tanto na esfera de proteção contra excessos estatais quanto na proibição de proteção deficiente. No caso, flagrantemente violado pelo obstáculo intransponível à proteção de direitos fundamentais da sociedade de impor sua ordem penal.
Observou que a interpretação conforme à Constituição, segundo os limites reconhecidos pela jurisprudência do STF, encontra-se preservada. A exegese proposta não implica violação à expressão literal do texto infraconstitucional, tampouco à vontade do legislador, considerando a opção legislativa que fixou todas as hipóteses de suspensão da prescrição da pretensão punitiva previstas no ordenamento jurídico nacional, qual seja, a superveniência de fato impeditivo da atuação do Estado-acusador.
Aduziu que o sobrestamento de processos penais determinado em razão da adoção da sistemática da repercussão geral não abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público. O § 5º do art. 1.035 do CPC prevê apenas a possibilidade de suspensão dos processos pendentes que versarem sobre a questão debatida e tramitarem no território nacional, não ostentando os mencionados expedientes de investigação a natureza jurídica de processo, mas sim de procedimento.
Acrescentou que o sobrestamento de processos penais determinado em razão da adoção da sistemática da repercussão geral tampouco abrangerá ações penais em que haja réu preso provisoriamente. Não se mostra admissível, sob pena de ampliação injustificada do período de restrição do direito de liberdade do acusado, que a segregação processual perdure enquanto estiver suspenso o curso da marcha processual e do prazo prescricional concernente às infrações penais cogitadas.
Além disso, registrou que, em qualquer caso de sobrestamento de ação penal determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC, o juízo de piso poderá, a partir de aplicação analógica do disposto no art. 92, “caput”, do Código de Processo Penal (CPP), autorizar, no curso da suspensão, a produção de provas de natureza urgente.
Vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio.
O ministro Edson Fachin rejeitou a questão de ordem por entender ser necessária lei em sentido formal para que o fenômeno da suspensão seja reconhecido como causa interruptiva da prescrição.
O ministro Marco Aurélio assentou a inconstitucionalidade do art. 1.035, § 5º, do CPC por afronta ao art. 5º, XXXV, da CF. Além disso, reputou não ser o referido dispositivo aplicável ao processo-crime, tendo em conta o art. 3º do CPP, por ser com ele incompatível.
(1) CPC/2015: “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. (...) §5o Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.
(2) CP/1940: “Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime”.
RE 966.177 RG/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 7.6.2017. (RE-966177)
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